18/11/2008

FASES DE INTENSIFICAÇÃO DO MEDO


O MEDO é constituído por um estado emocional de agitação ocasionado pela presença, real ou pressentida, de um perigo concreto. Caracteriza-se por várias alterações no comportamento, desde fuga ao escondimento.

O estado de Medo, assinala a abertura da fuga para dentro de si, Yin ou a fuga para fora de si Yang (em direção oposta aos estímulos geradores de fobia), requer, obrigatoriamente, em algum momento da evolução biológica e psicológica, a passagem da mera passividade à ativa defesa individual.

Desta forma pode-se dizer que não se foge porque tem Medo, mas para livrar-se do Medo. Isto pode parecer um progresso, uma aquisição favorável, mas na realidade, o processo de condicionalização associativa e reflexa, que ocasiona tal preparação, aparentemente previsora, tem duplo sentido, se por um lado, ao determinar a conduta da “fuga”, evita-se alguns males, ao “desencadeá-la” ante tudo quanto possa estar ligado (temporal ou espacialmente) ao agente primitivo gerador de fobia, leva-o a renunciar, de antemão, a muitos possíveis êxitos, e lhe inflige, por sua vez, o que se pode denominar de “apresentações de luxo do Medo”, que desta forma assiste duplamente alimentado, com todos os danos reais, imaginários e com os pseudonocivos sinais.



A partir do segundo ano de vida, a criança já possui um esboço de vida representativa. Suas lembranças podem, transformar-se em imagens e voltar a apresentar-se como objetos de representações revivenciadas, favorecendo a reativação de quantas tendências se associam com a original ocorrência que as determinou. Desta forma a mente adquire uma profundidade das dimensões do “passado” e “futuro”.

Começa a construção das funções psíquicas, mediante a qual se associam e combinam os dados e as imagens da vida representativa, dando lugar a construções e processos ideoafetivos que são alheios ao estímulo direto, denominado imaginação, sem a necessidade de recorrer a excitantes concretos.

Sob os efeitos do “Medo imaginário”, permanece um paradoxo, quanto mais irreal, ou seja, quanto menos preso à realidade exterior, mais presente e concreto será o temor imaginário, tanto mais difícil torna combatê-lo pelo simples raciocínio de um são juízo. “O que não existe oprime mais do que aquilo que existe”, permanece na imaginação, ou seja, criado por quem o sofre, e justamente por isso não pode fugir, pois seria necessário fugir de si para conseguir livrar-se de suas ameaças. A imaginação torna-se serva submissa das tendências, positivas ou negativas da ação, potencializando assim a EnergiaYin” que é representado pelo órgão psicossomático Rim, também denominado Água, que segundo os autores da Acupuntura, é o guardião da Energia ancestral, potencial energético recebido ao nascer, que nunca é renovado e que se deteriora lentamente, à medida que passa a vida, ele também é o órgão somatizador do Medo.

O Medo, o pânico, a apatia, a vontade, a coragem e a audácia, identificam-se com este órgão que pode se manifestar como “Yin ou Yang”, por suas características, que passam a produzir manifestações fisiológicas, apresentando: liquefação, perda da forma, inércia, estagnação, e por suas manifestações relacionadas aos órgãos genito-urinário e ao sono agitado.

O Medo é uma reação emocional que está relacionado ao sistema límbico, uma das regiões mais primitivas do cérebro, é comum nos comportarmos de maneira rústica diante de determinados estímulos, e a primeira ação em momentos de Medo é um movimento que privilegia a velocidade – e não características desenvolvidas ao longo da evolução humana, como precisão da percepção ou rapidez de raciocínio. Também é por isso que, como todas as reações instintivas, o Medo pode escapar à nossa vontade e o sujeito não conseguir impedir o seu aparecimento. Mas pode-se aprender a regulá-lo.

Graças ao neocórtex, literalmente “nova camada”, “novo envelope”, seremos capazes de decodificar e regular nossas emoções. Nosso comportamento não obedece somente a determinismos simples do tipo “estímulo resposta”, o que faria com que, diante do mínimo susto, fugíssemos ou ficássemos automaticamente imobilizados. Podemos coordenar nossas reações e ter um primeiro reflexo de Medo e dar um pulo imediato e, em seguida, reconsiderar e ver que não havia nenhum perigo, analisar o que aconteceu e o que nos causou o Medo. Reguladoras do Medo residem nas partes mais recentes da anatomia: o córtex cerebral. As reações de Medo resultam dos intercâmbios entre os dois cérebros e derivam da síntese entre a emoção de Medo e sua regulação. Ter Medo é conveniente para a sobrevivência, porém saber modulá-lo faz bem para a qualidade de vida.

O hipocampo compara experiências; o córtex pré-frontal interage informações sensoriais, emocionais e culturais para formular planos de ação em situações de emergência – e a amídala dispara o alarme. O Medo funciona como sinal de alerta. Sua principal função é nos proteger: ao chamar a atenção para um risco iminente, nos permite enfrentá-lo. O Medo é uma reação inerente ao ser humano – esperada e útil em determinadas circunstancias – ativada quando há um bom motivo, ou seja, diante de um perigo real.  Nossos órgãos sensoriais recebem informações do ambiente indicando a presença ou a possibilidade de um perigo. A intensidade do temor costuma ser proporcional ao risco, permitindo que a pessoa aja de maneira adaptada à situação, por exemplo recuando diante de um cordão no chão, parecido com um animal peçonhento preste a dar o bote – em vez de sair correndo. Certamente pode haver erros e alarmes falsos nesse sistema. Nesse caso, pode ter-se Medo por pouca coisa ou “por nada”. Pois a natureza entende que é melhor o engano. Mas, em geral, esses falsos sinais são ocasionais e controláveis.

Em qualquer forma que adote a apresentação e ação, o Medo pode alcançar diversos graus de intensidade, correspondendo cada um deles a um avanço na difusão e profundidade de seus efeitos inativantes sobre os centros propulsores da vida pessoal e vegetativa.

Algumas informações sensoriais, sobretudo visuais e auditivas, recebem um primeiro tratamento no tálamo, uma zona central do cérebro; existem dois circuitos cerebrais capazes de acionar o alarme de Medo, um curto entre o tálamo e a amígdala, e um longo, no qual o córtex se interpõe entre essas duas estruturas. Uma vez acionada, a amígdala lança um primeiro alarme corporal, sob a forma de reação de vigília, de posição de tensão. Depois, a pertinência deste sinal é avaliada por diversas estruturas cerebrais próximas da amígdala, envolvidas no “circuito do Medo”, principalmente o hipocampo, uma zona que age independentemente de nossa vontade, e o córtex pré-frontal, que atua – apenas em parte – em função de nossa vontade.

Os níveis de intensidade fobígenos evolutivos, vão desde uma prudência e concentração (desconfiança), alarme e angústia (Ansiedade) ao Pânico e Terror.

De modo geral, pode-se dizer que nas três primeiras fases ou níveis de invasão do Medo (prudência – cautela – alarme), a próxima (conduta motora individual), é satisfatoriamente controlada pela percepção, enquanto que, nos três últimos, acelera e precipita sua desorganização e abolição. Podemos não temer enfrentar um grande risco, ou ainda, sentir pavor mesmo quando o perigo é fruto de fantasias. Tudo depende da nossa percepção e conscientização.

As capacidades herdadas das fases mais recentes de nossa evolução – como previsão, simbolismo, memorização, imaginação, planejamento – nos permitem aprimorar e tornar mais flexíveis nossas reações. Hoje, o ser humano possui a habilidade para não temer ou enfrentar um grande risco, ou ainda, sentir pavor mesmo quando o perigo está apenas no âmbito da fantasia. Isto deu origem ao aumento da complexidade do cérebro humano, que deveria em princípio, melhorar o controle sobre os Medos, desencadeia também maiores riscos de disfunções.

Como todas as emoções fundamentais, o Medo provoca ansiedade, angústia, susto, pânico, terror. Os teóricos consideram que tais fenômenos psicológicos pertencem à família do Medo e devem ser compreendidos em relação a ele.      

Intercalando com Mira y López (2003), que relata o que ocorre nas fases do Medo:


Na primeira fase – Estado de Prudência. Ao reagirmos de forma exacerbada aos contratempos e dificuldades do dia-a-dia, o Medo deixa de ter função protetora e se converte numa ameaça para a mente, dando origem aos transtornos, que se iniciam com a ansiedade. Em seu plano objetivo, o indivíduo adota uma atitude modesta, de auto-limitação voluntária de suas ambições e possibilidades de criação, destruição ou domínio. Em seu plano subjetivo, produzem-se abundantes racionalizações (negação do desejo, auto-justificação de generosidade etc.) para se convencer de que o comportamento é justo, chegando a sentir-se seguro e satisfeito. Em sua regulação, o Medo normal se desfaz rápida e facilmente quando o perigo passa, ou quando se percebe que não se trata de algo tão ameaçador. É o que ocorre quando se ouve um barulho violento ou uma pessoa chegando atrás de nós. É possível regular nossa “intensidade de temor” de acordo com o contexto e as necessidades em cada circunstância: se eu sair para fazer compras no quarteirão onde moro, eu não ativo os meus Medos, somente o estado prudência, mas ativo se tiver de caminhar na selva ou à noite numa região onde o índice de assaltos é alto. Podemos, portanto, exercer um relativo controle sobre esta “propagação”.

 

Na segunda fase – Estado da Concentração (desconfiança). Em seu plano objetivo, o individuo acha-se no campo de ação do Medo, onde passa a agir com desconfiança, cautela e concentração de toda a sua atenção e interesse, procurando assegurar-se do êxito. Em seu plano subjetivo, aumenta o interesse, a atenção voltada para a expectativa e o anseio de assegurar o domínio da situação, mas simultaneamente surge a dúvida de que isso seja conseguido. Surge o temor do fracasso, que começa a torturar-lhe a consciência.

 

Na terceira fase – Estado de Alarme. Em seu plano objetivo, o indivíduo continua penetrando na situação intimidante e o Medo já se mostra diante dele, claramente. A atitude é de alarme, e desconfiança intensa. Por excessiva concentração da atenção, reduz-se o campo perceptivo e surgem falhas que irão aumentar a imprecisão. Porém, o hipocampo é capaz de considerar o contexto em torno do objeto do Medo. Os fóbicos não dispõem desse “breque contextual”: para eles, qualquer estimulação fóbica é levado muito a sério. O contexto exerce apenas um papel secundário. Os Medos sociais severos podem ocorrer mesmo diante de amigos ou parentes, se os olhares e a atenção das pessoas são direcionados a ele. O hipocampo, então percorre rapidamente nosso arquivo de lembranças: “esta forma está registrada em minha heteroconsciência coletiva ou pessoal, como fonte de perigo?”. Durante este tempo, o córtex pré-frontal tenta assumir o comando das operações. “Mantenha-se informado, mas aproximando-se com cuidado para observar. Vamos ver de que se trata sem correr riscos exagerados”. O córtex pré-frontal, por sua vez, funciona como regulador das reações automáticas. É ele que deve integrar todas as informações sensoriais, emocionais, culturais e subjetivas para formular um plano de ação adequado às necessidades e ao contexto de cada situação. Existem ainda outras partes do cérebro envolvidas, como o nódulo ventral da estria terminal, que asseguraria, de certa forma, a passagem do Medo à ansiedade, ou como o lócus ceruleus, que obedece às ordens da amígdala e aciona as reações físicas. Em seu plano subjetivo, inicia-se a Reflexão da dúvida existente, já na fase anterior, exagerando até ocasionar uma divisão no campo intelectual. O indivíduo acha que não pode controlar o curso de seus pensamentos e começa a ficar obcecado com as perspectivas do perigo iminente. O julgamento perde sua clareza e sente-se com uma penosa impressão de insuficiência, justamente quando mais precisa possuir a lucidez mental. Entrando assim na fase seguinte, a qual o indivíduo encontra-se à mercê do Medo incontrolado.

 

Na quarta fase – Estado de Ansiedade Intensa: o Medo aniquilou a intenção e tirou sua possível habilidade de reação. Uma vez cumprido seu papel de avisar o organismo, o temor deve diminuir, caso contrário se torna inútil e perigoso. Assim, do ponto de vista comportamental, podemos dizer que a ansiedade relacionada, é um Medo antecipado; é a vivência associada à expectativa, ao pressentimento ou à proximidade do perigo.

 

Na quinta fase – Estado de Angústia (Ansiedade). A angústias é uma ansiedade com vários sinais físicos. Tanto a ansiedade quanto a angústia, são Medos “sem objeto”; o perigo ainda não está presente, mas já se sente o pavor. Em seu plano objetivo, o indivíduo evidencia que a desorganização funcional é provocada pelo Medo. O diencéfalo começa a adquirir domínio sobre o córtex, os centros neurovegetativos se excitam e desencadeiam a chamada “tempestade visceral”, cujos fenômenos espasmódicos e constitutivos determinam à vivência da angustia. A imaginação pode aprender a ter Medo de fantasmas, e a capacidade de previsão pode antecipar a angústia, transformando a apreensão em Medo, bem antes que ele seja útil – ou perdure, de forma estressante, se “pré”-ocupando com acontecimentos que nunca ocorrerão. De acordo com a Acupuntura, está relacionado com os “rins”, ossos, vontade, audição, vias urinárias e outros referenciados. Em seu plano subjetivo, a angustia é gerada pelas distrofias e mágoas precedentes do mal estar funcional orgânico, e a Ansiedade é gerada pelas expectativas de inevitáveis e desconhecidos males. Neste estágio o “Medo” arrasta consigo os primeiros indícios de furor incontidos. Sendo incompatíveis as atitudes motoras, o sofrimento atinge o máximo (segundo a Acupuntura ele pode ir, em alguns casos, ao estado de “Ira”, como precaução para não chegar ao estado de Pânico, um exemplo é o que acontecem nas guerras). Ele se sente enlouquecido, julga-se na iminência de perder a cabeça (o controle), que de fato está, aumentando um pouco mais à tensão emocional, ingressará na fase seguinte que é o estado de Pânico, no qual seu “Eu”, confuso e invalidado, apenas perceberá como mero “espectador”.

 

Na sexta fase – Estado de Pânico: O pânico, o terror e o susto são Medos que diferem entre si pela intensidade e possuem como características comuns tanto à impossibilidade de se exercer controle sobre eles quanto o fato de que podem advir na ausência de qualquer perigo real, simplesmente por um equivoco dos sentidos, por lembranças ou pela previsão de risco. Em seu plano objetivo, é caracterizado pela direção automática da conduta, produzido pela absoluta invasão do Medo. Se, por um motivo ou outro, o hipocampo ou o córtex pré-frontal não interromperem o alarme disparado pela amígdala, nada mais pode interromper a intensa sensação de Medo – e o pânico se instala. Assim, fugimos em disparada de um inofensivo cordão no chão. Ou ainda, se houver um perigo real – o que pode acontecer -, ficar aterrorizado por concluir que é uma cobra, e potencializar os Medos que irão surgir. Assim, a sensação de pânico se repete e o circulo biológico do Medo se intensifica. As crises podem então deslanchar sozinhas, em ausência do estímulo deflagrador, de formas aparentemente absurdas, como um programa desregulado que se lançasse sozinho na tela do seu computador, depois de ter sido acionado um comando ao qual você nem mesmo lembra ter dado atenção. O córtex cerebral sofre os efeitos de sua total inatividade (morte temporal). A situação se torna agora cinética, ou seja, desenrola-se na esfera motora. É possível observar crises convulsivas, histerias, centuplicada força muscular, a mesma é cegamente liberada em atos que só por causalidade resultam ser adequados. É assim que, à vezes, o Pânico pode converter o sujeito em herói sem o saber. Em seu plano subjetivo, quando o indivíduo tiver atingido esta fase, ele mal percebe o quanto lhe ocorre ou realiza. É seguida de rápida amnésia (esquecimento). Este período é vivido como um mau sonho, o qual, se persistir a excitação, esgotará também os centros automáticos, submergindo no indivíduo a fase final, ou seja: ao estado de Terror.

 

Na sétima fase – Estado de Terror. Em seu plano objetivo, no máximo grau de intensidade da ação do Medo, que constitui a fase final de seu processo de anulação individual, os fenômenos de inibição já alcançaram os centros subcorticais e mesencefálicos. Neste estágio não existem nem movimentos parciais ou desconexos: ele perdeu não somente sua potência reacional motora como suas funções intelectuais e sua sensibilidade efetiva. Seu “Ser” está temporariamente esgotado e inativado, podendo, assim, continuar de modo definitivo para a morte verdadeira, se o processo de inatividade alcançar os centros simpáticos (conduzindo-o a um processo de desidratação e redução do volume sanguíneo), o que corresponde segundo a Acupuntura ao Elemento Água que equivale ao Rim e os líquidos corpóreos. Este estado é o extremo da Energia Yin, o qual leva o indivíduo à morte. Em seu plano subjetivo, pode apenas conservar as atividades neurovegetativas mínimas para assegurar a sobrevivência do Ser.

Considera-se atualmente que os Medos patológicos e as fobias resultam de uma dupla predisposição: biológica, essencialmente inata – carga genética individual herdada, mas também herança coletiva, da espécie, e por outro lado, influências ambientais – e, portanto adquiridos posteriores. A importância de cada uma destas duas balizas é variável. O termo “Medo” pode englobar inúmeros fenômenos psicológicos. A influência genética real é um determinante flexível, e não há um único gene capaz de transmitir vulnerabilidade ao Medo, mas diversos já que se trata de um mecanismo poli gênico. Além disso, a interferência pode se manifestar de diferentes maneiras, dependendo da história de vida, das características pessoais e das interações com o ambiente. Enfim, é possível que o que é geneticamente transmitido seja apenas uma tendência geral a uma “afetividade negativa”, isto é, o conjunto de predisposições para sentir emoções patológicas como Medo ou tristeza. Por isso, talvez a definição mais exata do Medo seja que ele é a consciência de uma situação ameaçadora.

Os Medos ontogenéticos que são relativos ao desenvolvimento do indivíduo, os não-preparados, e, portanto os tecnológicos, são adquiridos por meio da aprendizagem, sobretudo, a partir de experiências traumáticas. Os seres humanos são subordinados e controlados pelo Medo desde que nascem, e é a vida que os ensina a desenvolver uma capacidade de selecioná-los com base naquilo que foi ensinado, que observam ao seu redor e pelo que experimentam. Possuem a amídala, e ela “aprende” e memoriza perfeitamente as experiências e condicionamentos de Medo.   

Infelizmente, em algumas culturas atuais, não é o bastante dar a uma pessoa medrosa, a singela fórmula de que a “ação” é o antídoto do Medo, pois, justamente na maioria dos casos, tais pessoas sofrem singularmente do Medo da ação. As pessoas dizem: aja para não sentir Medo e o fóbico responde: tenho Medo de agir.

Rever a abordagem antropológica provoca uma revolução epistemológica. Tomar distância em relação à nossa sociedade nos permite fazer descobertas. Presos a uma só cultura, somos não apenas cegos à dos outros, mas míopes quando se trata da nossa. Quando estava cursando o primeiro semestre de Psicologia, o professor de antropologia nos propôs uma pesquisa para apresentarmos em sala de aula, sobre as culturas indígenas. Fiquei fascinada, perplexa pelo encontro de culturas e ao mesmo tempo indignada, ao incluir em meus conhecimentos o modo como os índios tratavam as crianças em relação aos Medos, e o modo como as nossas crianças são ensinadas, com relação ao Medo. Eles somente interferem no andamento do desenvolvimento de uma criança, mediante um perigo iminente, caso contrário a acriança fica exposta a todos os riscos, e aprende que para continuar a viver na selva não deve ter Medo e sim estratégias de sobrevivência, não existem proibições. Sua liberdade inata é praticada, pois eles ensinam o que aprenderam de seus antepassados, não ficam, portanto condicionadas aos “Medos”. Enquanto nós abonamos tanto valor ao nome que nos foi dado, o índio dá o nome dele ao filho quando nasce, e pega outro nome para si, ou compra o nome de outro, eles não possuem apego e nem se sentem donos do nome; não se identifica como sendo parte deles e sim como sendo emprestado porque o nome já pertenceu a alguém ou alguma coisa na natureza. Os pais nunca batem nos filhos, quando eles ficam adolescentes podem fazer o mesmo, com seu nome. Ninguém se apropria do conhecimento, para uso de seu benefício. Minha indignação foi perceber o que se comete em algumas de nossas culturas, onde crianças são estimuladas a ações que adultos de outras culturas jamais fariam, porque envolve além do Medo, a religião, o mito, a política, a moralidade e as normas e regras internalizadas.

Aquilo que pensamos ser natural em nós é cultural. É como se nosso cérebro fosse “equipado” no padrão evolutivo com um programa que nos prepara a sentir o maior número de Medos possível. É provável que esta capacidade seja similar a de nossos ancestrais, mas os perigos não são os mesmos – daí a necessidade de modulação e flexibilização. Atualmente não precisamos aprender a ter, pois fomos antropológicamente preparados para isso, mas, sim, aprender do que devemos ter Medo – e também a deixar de temer.

A análise estrutural do Medo apresenta-se como o resíduo de uma propriedade co-substancial da própria vida, destinado a amenização, à medida que o indivíduo seja capaz de intervir em seu próprio “destino”, modificando sua percepção e seu comportamento, para esculpir-se, com esforço e perseverança, uma personalidade superior.

Não é simplesmente por estar ancorado na biologia que um fenômeno é irremovível. O que funciona em um sentido – a sensibilização ao Medo – pode ser usado para o oposto – dessensibilização. Pesquisas recentes mostram que as anomalias cerebrais associadas aos problemas fóbicos podiam se normalizar com tratamento, seja com medicamentos ou com psicoterapias. Esse fenômeno chamado neuroplasticidade cerebral é um dos assuntos mais estudados dos últimos anos por pesquisadores em psicologia e psicoterapias: ele relembra, nada mais, nada menos, que o cérebro está em evolução contínua em função das experiências vivenciadas. É possível reconfigurá-lo para que as emoções patológicas não sejam mais uma fatalidade, e poder agir sobre o cérebro. O fato é que o cérebro nunca esquece seus Medos, e os conserva arquivados, como se estivessem dormindo.

Portanto, mesmo depois de ter vencido os temores, pode ser suficiente o confronto com uma situação outrora relacionada ao pânico, somada a uma fragilidade momentânea, para que uma onda de pânico reapareça. Se por acaso, antigos reflexos emocionais se aventurem a apontar novamente no caminho, esses retornos do Medo serão totalmente controláveis pelos pacientes que foram orientados a respeito, principalmente na terapia comportamental: eles aprendem o que fazer para controlar a extensão do Medo e colocá-lo novamente para fora de cena.



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