20/11/2008

COMO OS CIENTISTAS DA ZOOTROPIA VÊEM O MUNDO?


Para William James, que escreveu “Os princípios da Psicologia” em 1890, a “visão humana”, como ele chamava, era eloqüente mas também indignante. Em seu célebre capítulo sobre o “fluxo do pensamento”, ressaltou que, para seu possuidor, a consciência parece ser sempre contínua, “sem brecha, quebra ou divisão”, nunca “cortada em pedaços”. O conteúdo da consciência pode mudar indefinidamente, mas passamos com suavidade de um pensamento a outro, de um percepto a outro, sem interrupções ou rupturas. Daí sua introdução do termo “fluxo da consciência”. mas ele conjecturava: “Será que, na verdade, a consciência é descontinua (...) e só parece contínua a si mesma por uma ilusão análoga à do zootrópio?


Popular na época vitoriana, o zootrópio era um aparelho em que figuras sucessivas giravam e eram observadas através de fendas criando ilusão de movimento.


Antes de 1930 não havia como criar representações ou imagens com movimentos, exceto em teatrinhos de brinquedos ou modelos de trabalho. E ninguém teria imaginado que com figuras móveis seria possível dar a sensação ou ilusão de movimento. Afinal, como transmitiriam a sensação de movimento se não tinham movimento algum? A própria idéia era paradoxal. Mas o zootrópio provou que imagens individuais podiam ser fundidas no cérebro para dar a ilusão de movimento contínuo, e dessa idéia não demorou em surgir o cinema.


Esses instrumentos continham um cilindro ou disco onde era pintada ou colada uma série de desenhos: por exemplo: animais andando, plantas crescendo, jogos, acrobacias... As imagens podiam ser vistas individualmente através da fenda no cilindro, mas, quando este era posto em movimento, elas eram mostradas em rápida sucessão até que, na velocidade adequada, subitamente davam lugar de movimento. Os zootrópios foram originalmente projetados com a idéia de elucidar os mecanismos da visão e do movimento animal.


Se William James tivesse escrito alguns anos mais tarde, poderia de fato, ter usado a analogia com o cinema. Um filme, com sua seqüência ininterrupta de imagens tematicamente ligadas, sua narrativa visual integrada pelo ponto de vista e valores de seu diretor, é uma metáfora muito apropriada para o próprio fluxo da consciência. e os recursos técnicos e conceituais do cinema – zoom, fading, dissolução, alusão, associação e justaposição de todo tipo – imitam com grande semelhança (e talvez sejam projetados para imitar) os cursos e guinadas da consciência.


A analogia com a sétima arte foi usada 20 anos mais tarde por Henri Bergson, em “Evolução criadora”, onde uma seção inteira é dedicada ao “mecanicismo cinematográfico do pensamento e à ilusão mecanicista”. “Tiramos instantâneos, por assim dizer, da realidade que passa e só precisamos encadeá-los em um processo situado nos fundos da aparelhagem do conhecimento, para imitar o que há de característico nesse próprio processo. Nada mais fazemos que pôr em funcionamento uma espécie de cinematógrafo dentro de nós. O mecanicismo de nosso conhecimento ordinário é do tipo cinematográfico.”


James e Bergson estariam intuindo uma verdade ao compararem a percepção visual – e, de fato, o próprio fluxo da consciência – a tal mecanicismo? Os sistemas cerebrais que dão coerência à percepção e à consciência serão análogos de algum modo, às câmaras e projetores de cinema? O cérebro olho realmente “tira” fotos perceptuais e de algum modo lhes empresta a qualidade de continuidade e movimento? Nenhum deles viveu para ter uma resposta clara.


Outro exemplo impressionante de interrupção perceptual pode ser demonstrado com uma ilusão visual comum, a do cubo de Necker. Normalmente, quando olhamos para esse desenho de um cubo com perspectiva ambígua, a perspectiva muda de segundo em segundo, e o cubo parece projetar-se, depois recuar, dando-nos a sensação de que é impossível impedir essa alternância. O desenho propriamente dito não muda, e a imagem retiniana tampouco.


Um exemplo óbvio logo vem à mente: muitos de nós já vimos talvez fascinados, a continuidade de rotação ser aparentemente interrompida no momento em que olhávamos para objetos em rotação uniforme – ventiladores, rodas e hélices – quando passávamos de carro ao lado de cercas de estacas ou palanques ou quando observamos o ventilador, suas hélices parecem subitamente inverter a direção do giro por alguns segundos, depois volta para a direção anterior. Em certos momentos o ventilador parece hesitar ou ganhar pás adicionais, ou ainda faixas escuras mais largas que as pás.


Isso é semelhante ao que acontece quando, num filme, as rodas das diligencias dão a impressão de girar lentamente para trás ou mal se mover. Essa ilusão da roda de carroça, como é chamada, reflete uma falta de sincronização entre a velocidade da filmagem, a dos giros das rodas e a do nosso percépto. O mesmo acontece quando olho o ventilador. Isso significa que existe algum tipo de tremulação ou falta de sincronização em meus mecanismos perceptuais, também análogo à ação da câmera de cinema?


Segundo Oliver Sacks alternância é um processo cortical, um conflito na própria consciência, conforme ela vacila entre interpretações perceptuais alternativas. Ocorre em todas as pessoas normais e pode ser observada em exames de ressonância magnética funcional.


Dale Pulves e seus colegas da universidade Duke estudaram as ilusões de roda de carroça minuciosamente e confirmaram que esse tipo de ilusão ou percepção equivocada é universal entre as pessoas examinadas. Depois de excluir quaisquer outras causas de descontinuidade (iluminação intermitente, movimentos oculares...), a equipe concluiu que o sistema visual processa informações “em episódios seqüenciais” à freqüência de 3 a 20 por segundo. Em geral, essas imagens seqüenciais são aprendidas como um fluxo perceptual ininterrupto. De fato, é possível que achemos os filmes convincentes precisamente porque nós mesmos fracionamos o tempo e a realidade de modo análogo ao da câmera, em quadros separados, os quais depois tornamos a mostrar em fluxo contínuo.


Para Purves, é exatamente essa decomposição do que vemos em uma série de momentos que permite ao cérebro detectar e computar movimentos, pois tudo o que deve fazer é notar as diferentes posições dos objetos entre “quadros” sucessivos e então calcular a direção e a velocidade do movimento. Independente de esta hipótese ser verdadeira, o cérebro também pode criar movimentos por conta própria: podemos “ver” movimento quando, objetivamente, não há nenhum.


Mas isso não basta. Não nos limitamos a calcular o movimento, como faria um robô, nós o percebemos. Percebemos o movimento, assim como percebemos cor, profundidade e as dimensões, como uma experiência qualitativa única que é vital para nossa percepção e consciência visual. Algo além do que podemos compreender ocorre, na computação cerebral objetiva em uma experiência subjetiva.


Os filósofos discutem interminavelmente sobre como essas transformações ocorrem e se perguntam se um dia serão capazes de entendê-las. Os neurocientistas, de modo geral, contentam-se por enquanto em aceitar sua ocorrência e se empenham para descobrir a base ou “correlatos neurais” da consciência, começando por formas elementares de consciência como a percepção do movimento.


Só nestes últimos 20 ou 30 anos a neurociência pôde pelo menos começar a estudar assuntos, como a base neural da consciência. Hoje em dia estão sendo estudados todos os níveis da consciência, dos mecanismos perceptuais mais elementares (comuns a muitos animais além do homem) aos níveis mais elevados da memória, construção de imagens e consciência auto-reflexiva.


Atualmente é possível monitorar simultaneamente as atividades de cem ou mais neurônios e fazer isso em animais não anestesiados que executam tarefas perceptuais e mentais simples. Técnicas de imageamento como a ressonância magnética funcional e a tomografia por emissão de prótons permitem examinar a atividade e as interações de vastas áreas do cérebro, e essas técnicas não evasivas podem ser usadas em humanos para descobrir que áreas do cérebro são ativadas em atividades mentais complexas. Além dos estudos fisiológicos, temos a relativamente nova área dos modelos neurais computadorizados, que trabalha com populações ou redes de neurônios virtuais para descobrir como elas se organizam em resposta a vários estímulos e restrições.


William James expôs a metáfora do zootrópio para o cérebro consciente, e Bérgson a da cinematografia.


Um único percepto visual consciente pode, portanto, requerer as atividades paralelas e mutuamente influenciáveis de bilhões de células nervosas. Para afinal atingir a consciência, a atividade de uma coalizão, ou de coalizões de coalizões, deve não só transpor um limite de intensidade, mas ser mantida ali por determinado tempo – aproximadamente 100 milésimo de segundo. Essa é a duração de um “momento perceptual”.


Para explicar a aparente continuidade da consciência visual, Crick e Koch partem do pressuposto de que a atividade da coalizão tenha “histerese”, ou seja, que persista além da duração do estímulo. Essa idéia é muito semelhante, de certo modo, às teorias da “persistência da visão” propostas no século XIX, publicada em 1860 por Hermann Helmholtz, que escreveu: “Só é necessário que a repetição de impressão seja rápida o suficiente para que o efeito posterior de uma impressão não se tenha dissipado perceptivelmente antes da chegada da próxima”.


Seja qual for o mecanismo, a fusão de quadros ou instantâneos visuais distintos é pré-requisito para a continuidade, para a consciência fluida e móvel. Uma consciência dinâmica desse tipo provavelmente surgiu primeiro em répteis. Parece provável que não exista tal fluxo de consciência em anfíbios como a rã, que não demonstra atenção ativa nem acompanhamento visual dos acontecimentos. A rã não tem um mundo visual ou uma consciência visual como a concebemos, possui apenas a habilidade puramente automática de reconhecer um objeto semelhante a um inseto que entre em seu campo visual e, em resposta, projetar a língua para fora da boca. J. Y. Lettvin e seus colegas descrevem os experimentos que demonstram isso no seu artigo intitulado “O que o olho da rã diz ao cérebro da rã”.


Se uma consciência dinâmica, fluida, permite, no nível mais inferior, um escaneamento ou olhar contínuo e ativo, em um nível superior ela possibilita a interação da percepção com a memória, do presente com o passado. E essa consciência “primária”, é altamente eficaz e adaptativa na luta pela vida.



Dessa consciência de relativa simplicidade, saltamos para a consciência humana, com o advento da linguagem, da autoconsciência e da noção explicita de passado e futuro. E é isso que dá continuidade temática e pessoal à consciência de cada indivíduo. Dentre milhares de percepções possíveis em uma situação na praia, porque algumas são registradas com mais evidência? Reflexões, memórias e associações estão por trás delas. Pois a consciência é sempre ativa e seletiva, carregada de sentimentos e significados exclusivamente nossos, fundamentando nossas escolhas e interfundindo nossas percepções. Portanto não é só a paria que estou vendo, mas minha praia, marcada pela minha individualidade e identidade. Nesta praia um homem filma uma criança brincando na areia, uma jovem tomando banho de sol e um senhor pescando. Algum dia tudo isso será revelado. Usamos como exemplo, a filmagem, quando vistoriada, será lembrada do momento. Alguns momentos semelhantes na vida podem reportá-lo a lembrança ou simplesmente, a própria lembrança do momento que reproduz a imagem em movimentos. Porém nos enganamos se imaginarmos que em algum momento poderemos ser observadores passivos, imparciais. Toda percepção, toda cena é moldada por nós, queiramos ou não. Somos os diretores do filme que estamos fazendo, mas também, igualmente, somos seus personagens: cada zootropia da heteroconsciência, cada momento, somos nós, são nossos, nossas formas delineadas em cada um dos personagens.


Mas então como é que nossos quadros, nossos momentos passageiros, ganham coesão? Como! Se existe apenas transitoriedade, obtemos a continuidade? Nossos pensamentos passageiros, não andam por aí à solta como cavalos selvagens. Cada um tem dono, é nosso, e traz nossa marca de proprietário. Cada pensamento nasce possuidor dos pensamentos precedentes e transmite o que quer que tenha percebido como proprietário seguinte.


Portanto, não são apenas momentos perceptuais, momentos fisiológicos simples – mas momentos de um tipo essencialmente pessoal que parecem constituir nosso ser. Assim nos convertemos à imagem de Proust, que faz pensar também em fotografia: a de que consistimos inteiramente em uma “coleção de momentos” conscientes e heteroconsciêntes.


Os processos cerebrais estão ao alcance da ciência na mesma medida em que o está a origem do Universo. Logo os mecanismos da consciência já não serão um enigma.


O mundo virtual é construído por imagens, chamadas sintéticas, que se autoproduzem no interior da máquina, implicando um “alargamento real”, transformando-se em uma “realidade na realidade”. É um artefato visual sem nenhum compromisso com uma realidade histórica anterior que possa lhe atribuir sentido. A imagem sintética constitui-se na relação com o artefato tecnológico de forma auto-referente. Tanto a imagem quanto a experiência que se vive com base nela só existem no tempo e no âmbito do dispositivo – nem antes, nem depois, nem aquém, nem além e, ao mesmo tempo, potencializam a virtualidade, redimensionando as possibilidades e os modos de se relacionar e viver. O mundo virtual proporciona sentimentos, pensamentos e sensações, deslocando o lugar da experiência, permitindo que as vivências ocorram de forma dissociada da presença do outro. É um modo de existência, linguagem, culturas e utopias específicas, que proporcionam um mundo sem carne, no qual o indivíduo acessa uma totalidade sensorial que o mundo real não lhe oferece.


As experiências midiáticas interativas são parcialmente atualizadas com a vivência tecnológica e convocam a participação do corpo e da mente. Essa interatividade “reconfigura” o sujeito perceptivo, o espectador, o observador e a subjetividade. Experiências virtuais aparecem e desaparecem, bastando mudar a janela do computador ou desligá-lo – é a sensorialidade que valida a subjetividade da experiência. O mundo virtual é um centro sem nada, um infinito, que pode existir, morrer ou ressuscitar, é preciso apenas o apertar de um botão. Surge assim uma nova maneira de sofrer a angústia da separação e da morte.


Passamos por uma época em que demandas narrativas e imagens que criam ficções subvertem, manipulam, falseiam e simulam a “vida real”, uma subjetividade convertida em imagens por meio de webogs, fotologs e reality schows. Uma prática de exposição da intimidade sem interioridade e construção do espetáculo da vida íntima, que proporciona o prazer por meio de processos miméticos.


A autenticidade não atende mais aos critérios convencionais de verdade/falsidade, aparência/ essência, superfície/profundidade. Corpo e mente adquirem a plasticidade das imagens sintéticas, e a autenticidade podem residir apenas naquilo que parece ser. Tornou-se comum sentir a “vida como imagem”, sem o senso de tempo, processo, realidade, sem noção de limites e separação, confundindo e fundindo experiências e sensações.


Em geral, as pessoas acreditam que nascem para ser feliz. Considero esta afirmação um engano. Nascemos para viver e experiênciar o que for possível e se apresentar durante o trajeto. Ser feliz é uma das possibilidades do percurso.


Embora somente possamos apreender conscientemente uma pequena quantidade das informações que o mundo nos oferece, percebemos e reagimos sem compreender, a muitas outras coisas.


A compreensão, sobre o que é consciência não pode ser dada de maneira habitual, a resposta só poderá ser concebida quando o “SER” superar sua mecanicidade através da luz da consciência e perceber que ele é a própria consciência, o próprio, “EU SOU”.



Saiba mais em:


Como aprendemos a amar?



Televisão - Como influencia sua vida?



Television - How does it influence Your life? http://www.watchtower.org/e/200610/article_01.htm

2 comentários:

Anônimo disse...

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